O ajuizamento da ação tem em vista o fato de que a alteração promovida pela portaria possibilita a autorização de uso de quaisquer espécies aquáticas ameaçadas de extinção, e independentemente do seu grau de ameaça, inclusive pela frota industrial, sem condicioná-la à anterior recuperação de seus estoques. E, mais do que isso: uma vez que sejam reconhecidas como passíveis de uso pelo Ministério do Meio Ambiente, sua captura, qualquer que seja seu grau de ameaça e sem a prefixação de qualquer restrição, será submetida ao regime ordinário de ordenamento da atividade pesqueira, de competência conjunta da Secretaria da Pesca e Aquicultura e do Ministério do Meio Ambiente, sob a coordenação da primeira, exatamente o mesmo ao qual sujeitas quaisquer outras, que não sejam objeto de especial proteção.
A procuradora da República Anelise Becker esclarece que, segundo as normas, nacionais e internacionais, que regem as espécies ameaçadas de extinção, não basta o mero reconhecimento da possibilidade de seu uso, através de ato do Ministério do Meio Ambiente, para legitimar o ordenamento de sua captura como recurso pesqueiro, pois tal medida somente é possível após a efetiva recuperação de seus estoques, afastando-a de qualquer categoria de risco. Até lá, mantém-se, como regra, a proibição de sua captura, apenas excepcionável como medida de manejo voltada à conservação da biodiversidade, quando mais benéfica para a espécie do que a proibição de seu uso, a qual pode ser prevista nos correspondentes Planos de Ação Nacionais, cuja elaboração incumbe ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) supervisionar.
Acrescenta a procuradora que a situação é ainda mais preocupante, frente à real capacidade de controle, monitoramento e fiscalização da pesca em território nacional, sabidamente insuficiente, uma vez que não há estatística pesqueira oficial há dez anos, o sistema de rastreamento das embarcações por satélite está desatualizado e à beira de um colapso, não há um sistema de controle do pescado que permita o rastreamento de sua origem e a fiscalização da pesca não é considerada uma prioridade, de modo que não conta com recursos humanos e materiais suficientes nem adequados.
Conclui a procuradora que a Portaria MMA nº 73/2018 positiva um rebaixamento aviltante do nível normativo de proteção às espécies aquáticas ameaçadas de extinção, configurando retrocesso juridicamente inadmissível, porquanto embora a Portaria MMA nº 445/2014 liste um maior número de espécies como ameaçadas (a significar que o correspondente cenário piorou em relação à lista que acompanhou, como seu Anexo I, a IN MMA nº 05/2004), a Portaria MMA nº 73/2018 atribui a todas, indistintamente, a possibilidade de tratamento jurídico substancialmente menos protetivo, inclusive em relação àquele previsto para a categoria objeto do Anexo II daquela IN (espécies sobreexplotadas ou ameaçadas de sobreexplotação), não apenas eliminando a proteção especial a que fariam jus, sobretudo aquelas com mais alto risco de desaparecer na natureza, como fazendo com que sua própria inclusão em lista perca sentido.
Em 11 de outubro de 2018, o Ministério Público Federal havia recomendado ao Ministro do Meio Ambiente que revogasse a Portaria. Como a Recomendação não foi atendida, a ação foi ajuizada.
Ministério Público Federal