Uma droga com efeito semelhante à maconha, comercializada sob a forma de um pequeno selo de papel, foi identificada pela primeira vez no Rio Grande do Sul pelo Departamento de Perícias Laboratoriais do Instituto-Geral de Perícias (IGP). Trata-se da 5F-MDMB-PICA, um canabinoide sintético, produzido artificialmente. Ele provoca efeitos semelhantes aos da maconha, mas com um agravante: a diferença entre a dose recreativa e a tóxica é pequena, o que traz mais riscos à saúde do usuário.
A substância faz parte de um grupo de drogas conhecido como K4: canabinoides sintéticos produzidos em laboratório. “A molécula da 5F-MDMB-PICA tem o formato semelhante ao da maconha, por isso, quando o usuário ingere o selo, ele se liga aos mesmos receptores do cérebro, causando efeitos semelhantes ao da cannabis sativa”, explica a chefe da Divisão de Química Forense do IGP, Lara Soccol Gris.
A identificação da droga é um trabalho árduo realizado em várias etapas. No laboratório do DPL, a amostra apreendida foi diluída e depois analisada em um equipamento chamado Cromatógrafo gasoso acoplado à espectometria de massa (CG-EM). O aparelho tem um banco de dados capaz de reconhecer a composição química de milhares de substâncias, como se fosse a impressão digital das moléculas. A droga foi identificada pelo equipamento. Porém, por exigência do padrão de qualidade seguido pelo IGP, é necessário comparar a amostra com um exemplar de referência, sem impurezas – o chamado padrão analítico.
No IGP, quando uma substância ainda não identificada chega para perícia e não há padrão analítico de comparação, os peritos criminais avaliam os caminhos para se chegar à identificação química. A opção inicial seria importar o padrão de empresas que produzem, mas o processo é mais demorado, caro e pode não ter uma boa relação entre custo e benefício, pois a composição das drogas sintéticas muda constantemente.
No caso da 5F-MDMB-PICA, o padrão acabou sendo fornecido pela Polícia Federal, que já havia feito esse trabalho em Brasília. Essa parceria é importante para cumprir todo o protocolo e assegurar a qualidade do laudo pericial.
Droga foi apreendida na Capital
A apreensão aconteceu no dia 27 de janeiro em Porto Alegre. Um indivíduo foi preso com uma mochila onde estavam 36 selos, semelhantes a ácido lisérgico (LSD). A identificação da droga é fundamental para enquadrar criminalmente pessoas presas com a substância. Se o material não é tipificado como proscrito pela legislação, não há justificativa para a prisão.
Periodicamente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atualiza a lista de substâncias proibidas no país (Portaria MS 344/1998). A velocidade do órgão, no entanto, é mais baixa do que a dos produtores das designers drugs (pessoas com formação em Química ou Farmácia, que alteram a composição das drogas já proibidas para que elas possam ser vendidas, burlando a legislação), uma vez que algumas dessas substâncias são detectadas nos órgãos forenses, mas ainda não estão incluídas na listagem de substâncias proscritas. A 5F-MDMB-PICA foi incluída no rol de substâncias proibidas no país em 24 de fevereiro de 2020.
“É importante que a nossa capacidade de detecção acompanhe o ritmo de produção dessas novas drogas para fornecer a prova pericial necessária para a investigação policial”, afirma a perita criminal Bruna Gauer, que identificou a droga.
Efeitos no organismo podem levar à morte
O diretor do Departamento de Perícias Laboratoriais do IGP, Daniel Scolmeister, alerta para os riscos no consumo dessas substâncias, que normalmente são vendidas num formato de selo.
“Além de serem mais potentes que a maconha, os canabinoides sintéticos produzem efeitos cardiovasculares adversos mais severos e pronunciados. Já existem na literatura internacional casos de intoxicação relatando estado mental alterado, aumento da ansiedade, euforia, perda de consciência e taquicardia significativa, o que pode levar à morte. As pessoas podem pensar que por serem chamadas de maconha falsa (fake weed) essas substâncias têm os mesmos efeitos que a maconha comum, mas estão enganadas”, afirma Scolmeister.
Uma droga com aspecto semelhante foi identificada e encontrada no sangue e na urina de um rapaz de 17 anos, que morreu em 2018 (clique aqui).
Texto: Ascom IGP
Edição: Secom