Uma semana após a passagem do ciclone extratropical que atingiu o Rio Grande do Sul, Caraá, um dos municípios mais afetados, reage ao episódio que devastou sonhos e a rotina da comunidade. Símbolo dos estragos causados pela enxurrada no Litoral Norte, a Escola Estadual de Ensino Médio Marçal Ramos, onde a água chegou a atingir 1,87 metro de altura, começou a receber, na última sexta-feira (23/6), mais de 500 novos itens adquiridos pela Secretaria da Educação (Seduc). São equipamentos, itens de mobiliário, kits de material escolar e livros para iniciar a recuperação do espaço e viabilizar o retorno dos alunos.
A entrega ocorreu com a presença da secretária da Educação, Raquel Teixeira, e da adjunta da pasta, Stefanie Eskereski. Raquel destacou que a escola de Caraá é uma das duas mais afetadas em todo o Estado, ao lado do Colégio Estadual Engenheiro Paulo Chaves, em Maratá, no Vale do Caí. Ambas estão com as aulas suspensas.
“Foram 88 escolas atingidas, mas aqui a situação foi muito particular porque, por ser o epicentro do ciclone, Caraá sofreu um impacto forte. Além da escola, as casas dos alunos, dos professores, das vice-diretoras, todas foram afetadas. Por isso é muito simbólico que possamos fazer aqui, uma semana após o ciclone, essa entrega de materiais para começar o processo de retorno das aulas”, disse.
Ao todo, a escola receberá 320 cadeiras e classes escolares, das quais 60 chegaram nesta sexta-feira, 420 kits com cadernos e material escolar para os alunos, sete computadores e 171 livros didáticos, além de outras peças de mobiliário e material de expediente.
A previsão da secretaria é de poder retomar as atividades na Marçal Ramos a partir da semana que vem, se as condições estiverem adequadas. Para buscar o retorno à normalidade, formou-se uma força-tarefa marcada por solidariedade, resiliência e afeto.
Nos últimos dias, quem passou em frente ao local constatou o empenho de professores e funcionários na limpeza e no restabelecimento do espaço. A rede elétrica também ficou comprometida e passa por reparos e pela revisão das 90 tomadas que foram atingidas pela inundação.
Desde o episódio da enxurrada, Caraá registrou só um dia de tempo firme e ensolarado, mas isso não impediu a comunidade escolar de seguir trabalhando para recuperar a escola, com apoio da Brigada Militar. Nesta sexta-feira em que uma chuva fina caiu praticamente ao longo de todo o dia, professoras e funcionários estavam munidos de vassouras, rodos e limpadores a jato para eliminar a lama, enquanto apoiavam uns aos outros.
Equipe incansável
Com olhos entristecidos e voz trêmula, a diretora da escola, Juliana Souza de Oliveira, deixou escapar lágrimas várias vezes ao falar sobre os alunos, que anseia receber novamente, e sobre a dedicação de toda a equipe da escola.
“Estão sendo incansáveis, trabalhando diariamente e fazendo muitas horas a mais. Tivemos parcerias também, mas aqui temos prática de limpeza porque já tivemos outros episódios de enchentes. No entanto, nada comparado a essa vez”, lamenta. “Quando chegamos e vimos o estado da escola, foi um choque muito grande para toda a comunidade. E dessa vez não podemos chamar os alunos e pais para ajudar, como em outros anos, porque eles também foram bastante atingidos e estão muito mais vulneráveis do que nós.”
Juliana destacou a importância dos materiais entregues pela Seduc neste momento de retomada. “Estamos muito felizes, tudo vai colaborar bastante”, disse, lembrando que ainda existem necessidades a serem supridas. “Sentimos muita angústia, mas, ao mesmo tempo, estamos sensibilizados por receber muita ajuda.” O apoio vem também das escolas da 11ª Coordenadoria Regional da Educação, que mobilizaram doações para a Marçal Ramos.
No quadro de professores e funcionários, pelo menos dez pessoas sofreram perdas em casa, algumas bem significativas. As duas vice-diretoras, Sonia Mara Fraga e Simone Martins, estão entre as que mais sentiram o impacto. De quinta para sexta-feira da semana passada, quando a água e o vento atingiram a cidade com violência, Sonia estava em casa com o marido, a mãe, a irmã e o neto, de seis anos. “Foi uma experiência de quase morte. A água subiu muito rápido e não conseguimos sair de casa. Ficamos ali até a hora em que achamos que não conseguiríamos mais. Então rezamos, nos despedimos e nos abraçamos para morrer juntos, mas sobrevivemos”, contou emocionada.
Nascida em Caraá, onde sempre morou, Sonia nunca viu algo parecido, apesar de já ter vivenciado outras enchentes. “Foi muita água. A correnteza levou o carro do meu marido. Ficamos vendo as nossas coisas indo embora. Perdemos praticamente tudo, mas temos nossa casa ainda, temos o que limpar. Somos gratos por isso. Muitos hoje não têm. Ficamos sem referência porque nosso local de trabalho também foi arrasado. Chegar à escola e ver tudo destruído é muito doloroso, mas estamos aqui, tentando ajudar uns aos outros”, disse.
Para Simone, que também viu a água invadir sua casa e levar quase tudo, a solidariedade é o que sustenta o ânimo nesse momento. “Ainda dá para ter fé na humanidade, porque é muita solidariedade. Pessoas que nem nos conhecem oferecem ajuda”, contou. “Quando nos perguntam se estamos bem e se precisamos de alguma coisa, a gente diz que está tudo bem. Não está, mas parece que dá vergonha de dizer isso diante de tantas pessoas em situações piores”, pontuou.
Assim como ocorre com Sonia e Simone, que choram constantemente, sentem dificuldade em processar as próprias perdas e pedir ajuda, outros moradores estão lidando com os traumas desse tipo e com dificuldades psicológicas decorrentes do desastre. Para apoiar essa comunidade, a Seduc, por meio do Núcleo de Bem-Estar Escolar, trabalha com o município para oferecer atendimento psicológico especializado, com o apoio de graduações de Psicologia da região. Para a próxima quarta-feira, está prevista uma ação de acolhimento e suporte para os professores e funcionários. Depois, o atendimento deve ser oferecido também para os alunos.
Para a diretora Juliana, a escola deve ser um refúgio para os estudantes. “O trauma deles não está aqui. Então, quando nos encontramos com algum aluno triste e ele nos pergunta como está a escola, dizemos que aqui está tudo bem, porque aqui é a referência deles. Queremos dar o nosso melhor para recebê-los de volta”, afirmou.
A secretária Raquel reforçou a importância do sentimento de pertencimento para os estudantes neste momento. “Depois de uma crise, é importante que as crianças e jovens se sintam acolhidos e pertencentes à comunidade escolar. E essa comunidade tem uma relação afetiva muito importante com a escola, o que se demonstra neste esforço para recuperá-la”, comenta. “O governo também congrega todas as áreas neste esforço. A Brigada Militar está aqui apoiando na limpeza, a Corsan forneceu um caminhão pipa, estamos com atendimento psicológico e agora estamos fazendo a primeira parte desta entrega de materiais e equipamentos, que será continuada. Estamos muito gratos pela dedicação de todos e otimistas e confiantes de que a escola vai voltar a ser como era antes”, projeta.
Texto: Thamíris Mondin/Secom
Edição: Vitor Necchi/Secom